segunda-feira, 28 de março de 2022

me observo

Fraquejo de fraca figura me tornei. De resistente de inequívoco sucesso a farrapo de mim que fui.
Tento recordar o som dos ataques para me despertar aqueles sentidos apuradissimos que conduziam a uma animalesca salvação do corpo. Sem alma, vazia em si, o medo não era uma condição. O medo teria-me levado à subjectividade da morte. Pensar o medo distraía a função primordial  da sobrevivência. 
Vejo-me agarrado a uma bala guardada no bolso das calças, transtornado e absorvido pelo temor do desconhecido. 
Quero sair daqui. Quero voltar a estar sob mira de céu aberto com todas as vulnerabilidades que daí esteja sujeito.
Fraquejo neste silêncio. Ainda não percebi se sou presa ou aprisionado.
Sopram ventos lá no alto, finalmente um som ambiente que me é familiar. Levanto a cabeça e destapo o capuz negro camuflado de sujo, tal qual toda a roupa despida daquele corpo abatido. Oiço o vento e o abanar da copa das árvores, poderia agora começar a imaginar uma suave brisa ondulando sobre a vegetação rasteira, soltando os verdes terra e os amarelos ou dourados cereais. Mas não quero ir por aí. Simplesmente quero fugir daqui.
Lá em cima o vento que abana as copas, deixam penetrar troncos abaixo uma fluída língua de ar forte, circundante e serpenteando até meia altura. Agora sim, aos poucos, este terreno escuro e fértil em húmus lamaçento começa a descobrir-se. A dança dos galhos que se eriçaram numa vertiginosa salvação vertical em direcção daqueles valiosos pontos de sol, abrem-se e são perspassados pela prata luz de uma lua que não consigo observar. A espaços este chão de vida vegetal encerrada numa morte que serve para se regenerar é lambido por flashes de luz. Piscando o observo e retiro uma sucessão de imagens que colo num puzzle imaginário. 
Atravesso num carreiro de pedras envoltas num musgo que exala um odor que quase se permite morder no ar...

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