Com o passar dos dias as rugas começaram a desaparecer e a suavizar. No lugar delas foram cavadas linhas precisas, separadoras e delimitadamente profundas, anunciando todo o presente que sempre foi e se tornou num passado longínquo enquanto o advento do futuro se apresenta como uma ideia difusa e imprecisa.
Deixar de pensar o futuro. Por incrível que possa parecer, a ideia do agora ou amanhã era impossível fazer transportar pelos circuitos lodosos do pensamento. Lembranças de ontem e do antes ou até a sensação do roçar daquele lençol sedoso pelo corpo.
As vozes, ouvir os sons. O som é a consumação do passado recuperado pela ideia de estar vivo e presente.
Aquelas rugas como um sinal do advento e consumação percorrida foram assumidamente perdidas. O corpo começava a secar, embora não sabendo que lá em cima chovia torrencialmente, ainda não seria o bastante para humedecer as terras e torrões interiores.
Aquele odor a compartimento fechado, bafo gaseificado de toda uma vida nunca até então interrompida, era disfarçado pela irrequieta habituação da sua presença.
O corpo distraído extinguia-se.
Passaram precisamente trinta dias e uma torrente de vultos se aproximava, desde longe que o burburinho se transformava numa alarvidade de vozes. Aquele constante e ritmado bater da chuva nas poças era misturado com os passos do cortejo. Recomeçava a ladainha acompanhada do choro e queixume.
Uma voz murmurou.
Acabou-se o descanso e a paz.
Faz trinta dias que as rugas começaram a disfarçar e os sulcos da carne iniciaram o seu processo de mumificação.
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