quinta-feira, 30 de abril de 2020

Reza a lenda que um dia um rei habituado a tertúlias faustosas com as suas aias, para que os seus uis não fossem alvo de cobiça pelos seus súbditos plebeus, declarou institucionalizar alguns actos como pecados. Quem ousasse prevaricar seria consumido em terra por afronta aos deuses. A lista de pecados foi proclamada em voz alta do cimo de um púlpito pelo chefe dos eunucos.
O povo era obrigado por lei a não pecar, enquanto o rei tinha um salvo conduto especial que o isentava de respeitar a lista dos pecados desde que o seu povo se mantivesse sossegadinho sem praticar as porcarias morais.
Um dia o povo revoltado, no mesmo local onde há décadas atrás o chefe dos eunucos tinha proclamado o advento dos tempos da moralidade, um ermita regressado de uma caminhada solitária pelo mundo, despiu as suas vestes gastas e com o cajado na mão gritou bem alto "quem com as suas públicas virtudes tente esconder os seus vícios privados; quem com as suas vestes límpidas esconda a sua carne de pecado; todos esses que afrontam a natureza da sua origem, Jamais serão respeitadores da moral que deve obedecer a condição entre os homens".
Nesse final de tarde, na praça central elevaram-se línguas de fogo que tocavam os céus, e todos, todos sem excepção cantavam, bebiam e cantavam em redor da enorme fogueira as trovas do prazer.
Dagoberto de Andrade, habitante da península Esgríncia  (1848)

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