quinta-feira, 30 de abril de 2020

Adérito no rés do chão, acabado de tirar a correspondência e demais tralha publicitária da caixa do correio, observa de soslaio a lânguida vizinha do oitavo direito que aguarda a chegada do elevador.
Afoito e galgando apressadamente os mosaicos do patamar térreo, rapidamente vence a distância que os separa e lança um inequívoco sinal para que suspenda o início da marcha elevatória dessa mágica "caixa transportadora".
Com sorriso largo remata - "Bom dia dona Clotilde, vai subir?!"
Clotilde do alto dos seus saltos maquiavelicamente altos e espartilhada num longo vestido preto, olha com desdém tal figura. É obrigada a baixar o ponto de mira dos seus olhos vincadamente negros em direcção de Adérito. É um desnível de quase 30 centímetros que mesmo assim não amedronta a postura de machista marialva deste seu sempre inconveniente interlocutor.
Entre dentes deixa soltar um estalido de reprovação ao mesmo tempo que diminui tal figura grotesca à sua temerária condição de presa ora antes de predador. - "Oh senhor Adérito, acha mesmo que vou subir! Estou aqui á frente do elevador só a passar tempo. Deixe-se de marialvices. Cumprimentos à esposa!"
Adérito não teve coragem de entrar no elevador; engolido com a sua vergonha e desejando que a porta do elevador por fim fechasse suspirou por todos os seus poros um interior - "Esta cabra tem mania que é boa"
Sobe o elevador e ouve-se em fundo um gargalhar que se dissipa à medida que os patamares são vencidos.

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