sábado, 21 de janeiro de 2017

"No 33.º andar"

"Dei-te um beijo e levaste-me ao céu. Entrámos no elevador e roubei-te o beijo. Podias ter reclamado da sua posse mas não, acabaste por não retribuir ou recusar. Quando se abriram as portas do elevador saímos no 33.o andar. Estávamos no céu. O mundo lá em baixo era real. 
Aquele compartimento de portas automáticas tinha acabado de me fazer subir para lá do que a minha vista alcançava cá de baixo, deixava no ar o som seco e metálico de ter acabado de cerrar passagem. O zumbido da subida amorteceu e deu lugar a um plim sonoro avisando a chegada.
O teu beijo foi um sonho com sabor a ar puro.
Percorri o corredor e as luzes iam acendendo-se à medida que caminha. O meu rasto era apagado da história assim que o sensor das luzes dava sinal de terminado o movimento. 
Uma a seguir à sua próxima ia sendo apagada com uma cadência milimétrica. 
Lá fora no terraço fiquei com a sensação de ter faltado com a promessa de um beijo.
Ali estava eu prisioneiro de uma memória. Fazia naquele preciso momento 8 anos que tinhas galgado os muros e puseste fim ao teu sonho de viver.
Viagem vertiginosa. Dizem que é uma fracção de segundo e o resto não quero adivinhar.
O terraço ainda guardava uma memória da minha última visita - a jarra amarrada, vazia, seca e amarelecida.
Entrámos no elevador e descemos, sempre com a sensação de que tinha faltado um beijo prometido e jamais seria reclamado. O que fui ali buscar e trazia comigo era muito menos do que me acompanhava antes de ali chegar. 
A jarra ficou vazia, as luzes apagaram-se, o elevador abriu automaticamente as portas e fui impelido a sair como se uma força invisível estivesse presente a fazer o papel de porteiro. 
Saída por entrada sobe novamente o elevador. Um homem gesticulando ao telemóvel sobe para um andar que não dei conta; mal sabe ele que ficará dentro de segundos falando sozinho. 
Cá fora olhei de baixo em direcção ao terraço do 33.o andar e não conseguia alcançar o local.
Aquela morte inexplicada era um constante vazio. 
Vazio ficou."

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

... do poder que posso

Eu posso
Tenho o poder de poder

A minha consciência me pesa
Porque ela tem peso

Os meus desejos são carnais
Porque eu sou feito de carne

Os meus pensamentos são cavernosos
Porque o meu cérebro está fechado dentro do meu crânio

Os meus pés são feios
Porque pisam uma terra imunda

Eu sou perfeito
Porque me olho de dentro para fora

Os meus pulmões estão impregnados de carvão
Porque o que respiro deste mundo não tem o melhor dos odores

Num mundo como este
Como podem ousar sorrir

Rui Santos, 26/12/2015

A luz de Lisboa

A luz única de Lisboa
A luminosidade natural
Sem filtros
Sem retoques fotográficos
Penetrante e aconchegadora
Que abraça e aquece a alma
Transporta e conduz
A luz única de Lisboa
Que desperte e nos acorde
Muito adormecidos caminhamos
Anda Salomão vamos iniciar a nossa viagem
Em nenhum outro local que não o do Terreiro do Paço reconhecerás estes afagos de luz

Rui Santos, 26/12/2015

E tu Luís

E tu Luís
De onde nos olhas
Desse alto tardio
Que horizontes observas
Que por ti passam sem reparar
Camões da imortalidade
Camões da alma lusitana
A Portugalidade também se encerra em ti

Rui Santos, 26/12/2015

Conto da Esperança Perdida

"Podia ter sido uma longa viagem
Podia ter acontecido uma longa conversa nessa viagem
Podia ter sido uma viagem sem apeadeiros
Podia ter sido desfrutado
Mas uma viagem onde não entra a humildade, o reconhecimento do erro, a necessidade de corrigir, ceder e reconstruir... onde estas coisas não acompanham a viagem, não passa então de um comboio assente nos carris, parado e a única coisa que muda é a paisagem lá fora... que morre."

Rui Santos, 27/12/2015